Ladeira abaixo – Matéria publicada na Revista Mineração e Sustentabilidade – Setembro e Outubro de 2014

Preço do minério de ferro registra menor valor em cinco anos; para sobreviver, a receita é produtividade e qualidade

Há três anos, o preço do minério de ferro chegava a US$ 200 a tonelada. Hoje, cambaleia na casa dos US$ 80. A superoferta e a desaceleração do consumo interno chinês são fatores citados para a desidratação da commodity. Apesar da situação adversa, com baixa de 40% nas cotações em 2014, especialistas apostam num quociente de adaptação por parte das mineradoras.

O economista Ricardo Barros, sócio da Fioito Consultoria, não acredita em crise no setor. “As empresas têm se adaptado diante das dificuldades apresentadas e respondido com eficiência produtiva. Porém, seria importante para o país que a mineração ganhasse mais importância ante o governo, criando um ambiente favorável para o desenvolvimento da indústria e estabilidade institucional por meio de regras mais claras, manutenção dos direitos e uma gestão eficiente nas questões ambientais”, elenca.

Barros, especialista em gestão de riscos corporativos, aprimoramento de processos e gestão da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), elege a desburocratização e os investimentos em infraestrutura logística e energia como premissas para desenvolvimento do setor em tempos de humores vacilantes. “Como produtores de commodities, as empresas de mineração estão constantemente sujeitas às oscilações do mercado. Choques de oferta fazem com que as empresas busquem diversificar suas operações, buscando investimento em países com baixo risco relacionados à estabilidade política e estrutural”, completa.

O excesso da produção mundial de minério de ferro tem um claro fator gerador, a China. Na última década, o mundo assistiu o crescimento do consumo interno chinês e as mineradoras se voltaram para este mercado, que agora perde fôlego. Mark Cutifani, diretor-presidente da Anglo American PLC, em entrevista ao The Wall Street Journal, reforçou que a “China não irá investir mais o que vinha investindo em infraestrutura. Ainda há muitos prédios sem ninguém dentro”.

Compradores chineses importam 65% do minério de ferro comercializado no mercado internacional, poder que interfere diretamente nas cotações. “Dessa forma, quando a oferta é superior à demanda, a concorrência pressiona os preços obrigando as empresas a reduzirem suas margens de lucro”, analisa Ricardo Barros.

Os preços baixos produzem situações aparentemente contraditórias. Nos noves primeiros meses de 2014, Minas Gerais embarcou um volume de minério 5,5% superior ao mesmo período de 2013 (130,3 milhões de toneladas ante 123,5), mas as receitas recuaram 15%, ficando em US$ 9,8 bilhões. Acrescenta-se que 61% desse montante rumaram para a China.

A situação não deve melhorar no curto prazo. Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), 2015 será marcado pelo que se denominou de “surpresa ruim”. A AEB estima que o valor das exportações brasileiras perderá em torno de US$ 8 bilhões no próximo ano, levando-se em conta apenas duas commodities: soja e minério de ferro.

No entanto, segundo Barros, a tendência em médio prazo é um ajuste no mercado. As empresas com altos custos operacionais terão que suspender temporariamente a produção, o que reduzirá a oferta de minério no mercado global. “Quando a oferta é reduzida por esse motivo, há uma manutenção dos preços até que a demanda volte a superar a oferta existente, provocando uma valorização”, explica.

Trunfo

O momento de baixa no preço do minério de ferro induz investimentos mais qualificados, segundo Barros. A Rio Tinto, BHP Billiton e Vale – as três maiores produtoras de minério de ferro no mundo – elevam a produção na expectativa de que a enorme eficiência de escala garanta a lucratividade. “A eficiência produtiva pode refletir em ganhos maiores em determinados momentos e também pode representar sua viabilidade em momentos como o que passamos”, afirma o consultor.

A saída para a crise, segundo Barros, é aliar eficiência à qualidade. O consultor ressalta que a queda acentuada no preço do minério de ferro produz um ajuste na oferta global. O preço mais baixo privilegia empresas mais competitivas, com menores custos de produção ou com minérios de melhor qualidade, como é o caso brasileiro.

O economista aponta exemplos de como o mercado nacional se movimenta. “A Anglo American concentrou os investimentos da empresa no Brasil com a construção do maior mineroduto do mundo, investimento de US$ 8,8 bilhões, que aumentará em mais de três vezes a capacidade produtiva da empresa. A Vale, por sua vez, prevê o investimento de US$ 19,49 bilhões no Projeto Ferro Carajás S11D. Os impactos na produção de minério de ferro previstos serão de 90 milhões de toneladas/ano”, lembra.

Barros acrescenta que estas empresas analisaram cenários, indicadores de mercado, tendências e expectativas para subsidiar as decisões. “Elas enfrentaram crises anteriores e investiram em novas tecnologias e processos, que garantiram e estão garantindo a permanência num mercado tão competitivo como esse”, afirma.

Efeito Contrário

A própria China sente os reflexos da queda nos preços. Por ter um alto custo de produção, acima dos US$ 100 por tonelada, preços depreciados como os atuais levam ao fechamento de minas chinesas, como no caso da província de Hebei, onde 70% das pequenas mineradoras suspenderam as operações. O vice-secretário geral da Associação de Minas Metalúrgicas da China, Gao Yan, declarou que as produtoras de minério de ferro de províncias como Anhui e Jiangsu também não estão mais produzindo. O movimento ajuda a reverter a tendência de oferta em excesso.

Matéria publicada na revista Mineração e Sustentabilidade – Setembro e Outubro de 2014

Márcio Antunes

O “pendura” da CFEM – Matéria publicada na Revista Mineração e Sustentabilidade – Setembro e Outubro de 2014

Levantamento do Tribunal de Contas da União aponta que recolhimento de CFEM é feito apenas por 25% das mineradoras do país

O recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), destinada aos municípios, estados e União, está diretamente prejudicado pela inadimplência das mineradoras. Segundo levantamento obtido após auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada por meio de dados fornecidos pelo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), apenas uma em cada quatro áreas onde há extração mineral no Brasil faz o recolhimento efetivo do tributo. Segundo o documento, em 2012, no Brasil havia 20,7 mil títulos de mineração ativos e, deste total, apenas 5,4 mil fizeram o recolhimento da contribuição.

O Tribunal quis estimar parte das evasões da CFEM e pediu ao DNPM dados sobre as fiscalizações realizadas in loco pelas equipes da autarquia. Com isso, foram apresentadas estatísticas de 101 empresas com atuação nos estados do Pará, Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo. Os valores pagos por essas empresas e a extração de minerais realizada entre 2009 e 2011 foram checados. O resultado mostrou que deveriam ter sido recolhidos R$ 160 milhões em CFEM. Mas, na prática, o valor recolhido representou 23% do total devido, R$ 47 milhões. “A fiscalização constatou que R$ 5,8 milhões referentes ao recolhimento da CFEM no período entre 2009 e 2012 ainda não foram destinados aos estados e municípios. O problema ocorre porque muitos mineradores recolhem a compensação sem o registro de todos os dados necessários à destinação dos recursos, como o número do título minerário, o mineral extraído e o município beneficiário”, informa o TCU.

Dificuldades enfrentadas pela DIPAR

A Diretoria de Planejamento e Arrecadação (Dipar), responsável pela gerência e arrecadação das receitas do DNPM, aponta os obstáculos para diminuir a inadimplência da CFEM:

• Entraves na aquisição de software de auditoria “ACL”, que permite tratar qualquer tipo de base de dados, abreviando lapso de tempo necessário para efetuar uma fiscalização in loco;

• Carência de se implementar o Business Intelligence (B.I.) a fim de permitir elaborar os dados da base com maior flexibilidade, permitindo maior inteligência fiscal;

• Problemas com a legislação minerária: não há repercussão sobre a posse do título pelo inadimplemento de CFEM, não há penalidade pela não entrega do Relatório Anual de Lavra (RAL) quando o titular está sob o regime de licenciamento, não há restrições efetivas a requerimentos de novas áreas ou mesmo realizar cessões quando este se encontra inadimplente com o DNPM.

A CFEM recai sobre o faturamento líquido das mineradoras, cuja concessão de mina e de lavra esteja ativa, e o valor obtido é dividido entre União (12%), estados (23%) e municípios produtores (65%). Segundo o Tribunal, empresas donas de 15,3 mil títulos minerários simplesmente deixaram de recolher a contribuição em 2012. No ano passado, foram arrecadados R$ 2,37 bilhões com a CFEM, um aumento de 29,5% na comparação com 2012.

Fiscalização

O processo conduzido pelo TCU, que teve como relator o ministro Raimundo Carreiro, apontou como um dos principais problemas a fragilidade no método de fiscalização. O levantamento apontou anomalias como a ausência de instrumentos para identificar devedores, a fragilidade na gestão dos processos de cobrança, deficiências nos procedimentos de quitação dos débitos, problemas na infraestrutura de tecnologia da informação, além de fragilidades da atual legislação da CFEM, o que gera controvérsias e inúmeras demandas judiciais relacionadas, principalmente, à sua base de cálculo. Segundo o TCU, o DNPM recebeu orientação para que priorize, nas ações de controle sobre a arrecadação da CFEM, a realização de fiscalizações in loco nas empresas mineradoras de grande e médio portes. “O Tribunal recomendou à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) que, em conjunto com o DNPM, identifique todos os mineradores que realizam extração de substâncias minerais em terras da União e adote providências no sentido de exigir a parcela à qual a União tem direito”, relata o órgão. A assessoria de imprensa do TCU explicou que a ineficiência na arrecadação e a falta de repasse de recursos de CFEM pelo DNPM afetam, praticamente, todas as áreas de custeio e de investimento dos estados e dos municípios, “uma vez que a aplicação desses recursos somente é vedada para pagamento de dívidas com a União e para manutenção do ensino fundamental”. De acordo com o órgão, o relatório é resultado de uma auditoria operacional que tem por objetivo identificar possibilidades de melhoria, sem necessariamente punir os gestores.

Impasses

O DNPM, criado em 1934 e vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME), vive um período de incertezas. A proposta do Novo Marco da Mineração, enviada pelo governo federal em julho de 2013 ao Congresso Nacional, prevê a transformação da autarquia na Agência Nacional da Mineração (ANM). A nova legislação não alterará apenas o status do DNPM, mas irá modificará as alíquotas da CFEM. A variação será de 0,5% a 6%, determinada por fatores como a essencialidade do produto, a capacidade de produção da mina, necessidade de desenvolvimento socioeconômico das regiões mineradoras, entre outros aspectos. Segundo o próprio DNPM, a autarquia “tropeça nas inconsistências relacionadas à tecnologia de informação”. É citado o convênio celebrado com a Receita Federal e com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), que previa uma quantidade máxima de 5 mil acessos mensais para o recolhimento de informações dos titulares de direitos minerários por meio do Cadastrado de Pessoa Física (CPF) e Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). A incoerência na realização do convênio esbarra no número de registros existentes no DNPM: 280 mil. “Dessa forma, a consulta se torna extremamente lenta e a demanda real de acessos bem superior à conveniada”, justifica o órgão. O problema prolonga os procedimentos de cobrança, caso sejam detectadas incongruências nos dados do titular. “Corre- se o risco de que todo o trabalho dos servidores tenha que ser reiniciado e, eventualmente, alcançado pela prescrição e ou decadência”, pontua o DNPM.

Ainda segundo o Departamento, a ausência de um sistema informatizado para cadastramento dos Planos de Aproveitamento Econômico (PAE), ainda enviados em papel, impossibilita a emissão de relatórios gerenciais, que poderiam ser confrontados com os dados do Relatório Anual de Lavra (RAL) e seriam importantes subsídios para planejamento das fiscalizações. Conforme o DNPM, o PAE demonstra o método de extração a ser adotado pelas mineradoras; a escala de produção prevista; o transporte e beneficiamento do minério, bem como a iluminação, ventilação e segurança do trabalho nos casos de lavra subterrânea.

A falta de um sistema contendo informações de contribuintes das fazendas estaduais e federais, apontando as mineradoras que declaram faturamento aquém do realizado ou que extraem sem autorização, segundo a autarquia, também ocasiona embaraços. Já com relação aos procedimentos para quitação de débitos no DNPM, há um nível estatisticamente normal e percentualmente irrelevante de falhas, que acontecem por conta do sistema. Há casos, porém, que falhas imprevistas ocorrem e que a intervenção humana é necessária. “Situações deste tipo vêm ocorrendo com maior frequência desde 2010, quando em consequência da Lei nº 12.249/10, uma modalidade de parcelamento com descontos foi introduzida no DNPM e em outras autarquias. Estes parcelamentos foram causa de algum descontrole já que eram concedidos também por Procuradores Federais não lotados no DNPM e que, por isso, acabaram não observando algumas peculiaridades das receitas geridas por este Órgão”, informa a autarquia.

O DNPM argumentou ainda que há 10 anos os procedimentos de cobrança eram totalmente manuais e que, apesar da escassez de recursos na área de tecnologia da informação, o resultado atual é “infinitamente superior ao de uma década atrás”. O DNPM criticou as conclusões do TCU, sob alegação de que o banco de dados com 20,7 mil títulos minerários poderia incluir processos já extintos ou sem operação. O Tribunal, porém, rejeitou o argumento do DNPM e garantiu que pediu, exclusivamente, processos que estavam ativos.

Metodologia pode inflar resultado

Para o diretor executivo da Fioito Consultoria, Valdir Farias, especialista em CFEM, a proposta de nova legislação amenizaria as polêmicas relacionadas à apuração da compensação. “Acredito que uma legislação mais simples teria impacto direto, aumentando a arrecadação e as ferramentas de controle, reduzindo custos de contingenciamento e de manutenção das demandas administrativas ou judiciais por parte das empresas”, avalia. Farias afirma ainda que os números apresentados pela auditoria estão embasados em títulos ativos e não em empresas. “Para explicar melhor essa situação é preciso entender que o título ao qual o TCU faz referência é a autorização concedida pelo poder público para o aproveitamento econômico do bem mineral, que pertence à União”, explica.

Farias cita o fato de o título de lavra ficar ativo até que seja dado baixa no DNPM, após o término da atividade de exploração mineral e recuperação ambiental. “Podem existir situações onde as jazidas já foram esgotadas e não há mais atividade de mineração relacionada àquele título, mas não foram baixadas por estarem em etapa de recuperação ambiental ou aguardando o processo de baixa junto ao órgão federal”, esclarece. A segunda hipótese é a de o título ativo não necessariamente significar uma área de mineração em exploração, pois um complexo mineiro pode compreender vários títulos e concessões em áreas contíguas, da mesma forma que um título pode gerar mais de um recolhimento, caso esteja situado em mais de um município e abranja mais de uma substância mineral. A terceira hipótese é a possibilidade de existirem situações de empreendimentos paralisados por situações como fiscalização ambiental e situações mercadológicas.

Segundo Farias, a composição da base de cálculo da CFEM é alvo de discussões administrativas e judiciais. Isso faz com que muitas empresas efetuem os recolhimentos com valores menores do que os efetivamente devidos, pela ótica do DNPM. “Como exemplo podemos citar as deduções previstas na legislação, envolvendo os impostos e a despesas com transporte, diferença entre os impostos incidentes e o apurado para o transporte interno e frete”, exemplifica.

Divergência

A divergência de interpretações relacionadas a essas deduções impactam diretamente no recolhimento do royalty. Essa situação seria uma das explicações para o número elevado de notificações emitidas nos últimos cinco anos, oito mil. Um outro fator que pode auxiliar no entendimento desse elevado número é a metodologia que foi empregada no processo de fiscalização. A chamada “fiscalização simplificada” foi uma alternativa encontrada pelo DNPM para minimizar o problema dos recolhimentos insuficientes ou mesmo falta de recolhimento da CFEM. “O órgão baseou-se nas declarações relacionadas à atividade de mineração, constantes nos Relatórios Anuais de Lavra (RAL), como dados de produção e comercialização, para apurar a base de cálculo e a CFEM devida pelas empresas”, afirma. Farias explica que o RAL é um documento contendo informações detalhadas de cada empreendimento mineiro, consolidadas anualmente e entregues ao DNPM em março de cada ano. “Porém, o RAL não foi criado com a finalidade de auxiliar no processo de fiscalização da CFEM, não trazendo informações relevantes para a sua apuração. A origem dessas notificações pode ser a diferença entre o recolhimento efetivamente realizado e o valor devido”, aponta. Para finalizar, Farias conta que, pelas divergências trazidas pelo processo de fiscalização simplificada ou pelas diferentes interpretações relacionadas às deduções legais para composição da base de cálculo da CFEM, as empresas apresentaram defesas e recursos administrativos perante a essas notificações, sobrecarregando a divisão responsável pela fiscalização da arrecadação da CFEM.

Recomendações

Valdir Farias crê em duas hipóteses que levam ao cenário atual da arrecadação da CFEM: legislação complexa que permite interpretações divergentes entre as empresas e o órgão fiscalizador e a estrutura Insuficiente do DNPM frente à demanda atual. “O cenário aponta para ações mais efetivas por parte do DNPM e para a necessidade de as empresas gerenciarem melhor sua relação com a CFEM, reduzindo seus custos e aumentando sua eficiência financeira”, completa. Em agosto, o DNPM passou a ter prazo de 90 dias para encaminhar ao TCU o plano de ação e o cronograma de medidas recomendadas. “O TCU expediu apenas recomendações. Porém, haverá um acompanhamento, em especial, do cumprimento da determinação de encaminhar o plano de ação e cronograma de implementação das medidas recomendadas”, informou.

Matéria publicada na revista Mineração e Sustentabilidade – Setembro e Outubro de 2014
Márcio Antunes